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Cotas raciais nas universidades públicas
Cotas raciais nas universidades públicas

A Política de Cotas nas
Universidades Públicas Brasileiras

Carlos Ignácio Pinto
carlos@klepsidra.net
Bacharel em História / USP

Muitas pessoas se assustam ao ouvirem a idéia de criação de cotas para negros nas universidades públicas Brasileiras. Este artigo busca compreender o medo e a falácia que giram em torno das cotas, bem como demonstrar minha sincera opinião sobre o sistema de cotas no Brasil, e de como o compreendo dentro de um universo muito maior de uma série de correções de nossa sociedade tão “democrática” e “anti-racista”.

Há mais ou menos um ano tenho trabalhado como professor colaborador do cursinho para população carente do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo, entidade referencial na luta contra o preconceito racial no Brasil, ministrando as aulas da disciplina de História Geral. Neste universo, me deparei com situações que puseram abaixo tudo o que pensava até então sobre o sistema de cotas para negros nas universidades públicas brasileiras. A diferença se pautou em algo extremamente relevante: a passagem do discurso teórico que até agora tinha, para a prática; aquela que me defrontou com uma verdade bem mais latente e contundente do que aquelas demonstradas por muitos demagogos (como até aquele momento acredito ter sido) ou inocentes (o que não acredito muito) em seus discursos.

Os discursos contrários à política de cotas se pautam basicamente em dois elementos que não se sustentam: o primeiro seria que ao invés do ingresso de negros através da política de cotas, o fundamental seria a melhoria substancial do ensino médio no Brasil que garantiria uma equiparação de saberes para os alunos que pretendem ingressar em uma universidade através do vestibular; e o segundo, como desdobramento do primeiro, seria que no Brasil a diferenciação entre os ingressantes em uma universidade e aqueles que não conseguem sucesso no vestibular estaria pautada na diferença econômica, ou seja, a entrada em uma universidade pública dependeria exclusivamente do poder aquisitivo do aluno e a economia despendida em sua formação escolar.

Estes dois argumentos fazem parte do discurso comum, daqueles que se pronunciam contrários ao sistema de cotas e não possuem muita coisa a acrescentar; o primeiro argumento de que “é necessário uma melhoria do ensino no Brasil” é um discurso de décadas, ou seja, aguarda-se a melhoria também a décadas ao passo em que a exclusão permanece; defendemos tal argumento e o que se apresenta como proposta para que isto se efetue? Quase nada! Não peça aos movimentos de inserção do negro que abandonem suas políticas efetivas em troca da espera; não espere a acomodação na esperança da equiparação da formação escolar dos alunos oriundos de escolas públicas em relação aos oriundos de escolas particulares. A exclusão do negro da Universidade Pública é latente!!!!!!!! Percebam o perigo deste argumento, na medida em que nos reduz a paciente do processo, sendo que o que a comunidade negra no Brasil precisa é da aplicação de medidas imediatas, independente se for para reparação do mal que se faz até hoje a esta comunidade ou se para realmente começarmos a dar um fim a exclusão do negro no ensino superior brasileiro.

Sobre o segundo argumento que trata sobre a desigualdade social, mas é claro que o pobre é que não consegue ingressar em uma universidade pública, entretanto mesmo entre os pobres, o número de negros pobres está 47% acima dos brancos, ou seja, existem mais pessoas miseráveis negras do que brancas, e entre estas, os negros são os de menor salário e poder aquisitivo; a remuneração para um mesmo cargo é diferente entre negros e brancos. A maioria (na realidade, uma minoria) dos alunos oriundos de escolas públicas que conseguem entrar em uma universidade pública no Brasil são brancos, ou seja, mesmo entre aqueles que conseguem vencer a diferença, os negros são minoria.

Você que está lendo este artigo e estuda em uma universidade pública, ou até mesmo privada no Brasil, repare a sua volta em sua universidade, e veja a gritante diferença entre o número de negros e brancos. Desigualdade Social? Também, mas muita desigualdade racial presente.

Recentemente lendo um artigo de um jornal universitário chamado Revelação da Universidade de Uberaba, de autoria do aluno Rodolfo Rodrigues do 6º período de Jornalismo[1], me assustei; o artigo que tentava combater a política de cotas, envolvia todas estas idéias do discurso comum e algumas outras muito piores, com todo o respeito ao colega. Este citava em seu artigo (além do ideário comum) a idéia de que biologicamente somos todos iguais e por isso não poderia se estabelecer as cotas e que o negro apenas precisaria de seu esforço e dedicação para ingressar em uma universidade pública!

Caro Rodolfo e aqueles que pensam como ele, é lógico que somos muito parecidos geneticamente falando, entretanto, ao contrário de sua “democracia biológica” o preconceito e o racismo no Brasil estão pautados pela cor que o negro traz em sua pele e não no sangue que corre em suas veias e, por favor, se ainda existe a crença de que a única diferença entre os alunos que entram em uma universidade pública e aqueles que não ingressam, está pautada no esforço e dedicação que estes desprendem em sua preparação para o vestibular, gostaria que estes fizessem uma visita a minha turma no Núcleo de Consciência Negra aqui da Universidade de São Paulo e separassem os que não trabalham, os que não ajudam em casa e os que sustentam famílias, ou seja, possuem muito mais obrigações do que aquelas impostas pelo vestibular. A diferença está na dedicação? Aquele que ainda não ingressou no mercado de trabalho ou que não tem obrigações para com sua família é um maior merecedor da vaga na universidade porque se “dedicou”?????? Convenhamos, se este poder fosse me dado, eu estaria muito mais propenso a colocar o aluno trabalhador em uma universidade, se o mérito for a dedicação, do que o aluno que pode dedicar-se integralmente ao vestibular tendo como estrutura educacional bons colégios particulares.

No mesmo artigo, há uma foto em destaque com uma aluna negra do 3° período de Comunicação Social da mesma Universidade, e ao seu redor 5 alunos brancos, com os seguintes dizeres “A estudante ..... ingressou na Universidade sem precisar se valer das cotas.”. O que me causou estranheza foi o fato do próprio autor do artigo corroborar com a idéia de que são pouquíssimos negros dentro de uma Universidade Pública no Brasil, através desta foto que possui uma maioria de alunos brancos, sendo ela a única negra do grupo!

Como dito anteriormente, a questão do negro na Universidade Pública no Brasil é bem mais complexa do que a simples compreensão da desigualdade social, polarizada entre pobre e ricos, compreensão esta que por muito tempo engessou e engessa as reivindicações de uma maior igualdade da comunidade negra no Brasil. É o discurso comum presente até mesmo dentro das universidades que por vocação, teriam de se libertar destas amarras.

Recentemente, a USP tem realizado obras na intenção de facilitar o acesso a universidade de alunos portadores de deficiências físicas; entretanto, nossos departamentos não estão preparados para receberem os alunos portadores de deficiências visuais, mesmo que sendo estabelecido por lei a obrigatoriedade de tal adaptação. Seria justo interromper as obras na USP que visam facilitar o acesso de deficiente físicos visto que elas não contemplam os deficientes visuais? É justo suspender a política de cotas porque ela não da conta do todo?

Para aqueles que não sabem, as universidade públicas brasileiras possuem cotas para estrangeiros. E porque não se levantaram contrários? É que a questão dos negros para muitos deve permanecer como está; todos acreditando no mito da nossa “democracia racial” onde somos felizes, pacíficos e ordeiros, e só não se consegue a felicidade, satisfação econômica e realização de sua pessoa enquanto cidadão e ser humano, aqueles que não batalham por ela, pois as condições estão dadas “igualmente” para todos; Papai Noel e coelhinho da páscoa também existem.

No mesmo artigo o autor ainda finaliza suas idéias rechaçando as pessoas que fazem uso de roupas com dizeres do tipo “100% negro”, “preto brasileiro” ou “afrobrasileiro negão”, alegando que isto também seria uma forma de manifestação de racismo, só que de ordem invertida. Estranho, quantas pessoas não desfilam entre nós com camisetas do tipo “MedicinaUSP”, “Poli USP”, “Mackenzie”, “PUC”, “UNIUBE” e não os tratamos como racistas, apesar de a todo momento afirmarem sua condição de superioridade educacional. É racismo a afirmação da cor que traz na pele? Não existe uma negação do outro, mas uma afirmação da condição que sou. Se me afirmo como Universitário, tranqüilo; se me afirmo como Negro sou racista???? Colocação absolutamente infeliz, que infelizmente faz parte do ideário comum e não apenas de nosso colega em Uberaba.

Não se trata apenas de uma resposta do artigo citado, mas sim da colocação dos vários temas que permeiam e ocultam as discussões sobre o preconceito e o racismo no Brasil do qual a política de cotas é apenas uma parte, mas que forçosamente por parte de alguns vem se transformando no todo.

Acredito plenamente que o ensino no Brasil deva ser repensado e reformado como um todo, garantindo uma melhoria na qualidade do ensino aplicado a comunidade carente que é a maioria deste país. O que não posso aceitar é que a espera da realização disto sufoque a questão da segregação racial das universidades públicas brasileiras. Assim como o negro, também estão os índios e minorias também discriminadas, que a exemplo do ocorrido com os movimentos negros, também tem o direito de reivindicar seus direitos e fazer valer sua voz.

Não acredito que a política de cotas seja um fim em si, muito pelo contrário, é ela que está estimulando todo o debate em torno do racismo no Brasil, e é a partir destas discussões que nascerão os rumos de muitas questões que hoje se colocam quase sem solução. O que não gosto de observar é o reducionismo a que certas pessoas submetem as cotas, o racismo e o negro no Brasil.

Apesar de se chamar Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo, o NCN atende em suas dependências, populações carentes oferecendo várias atividades e cursos tais como línguas (Espanhol, Inglês e Yorubá), Alfabetização de adultos e um cursinho comunitário pré-vestibular que busca a inserção dos alunos carentes oriundos em sua maioria de escolas públicas nas Universidades Públicas brasileiras, alunos estes que são atendidos independentes da cor que tragam em sua pele, nos mostrando uma fácil lição, na qual se configuram como um centro de referência contra a discriminação Racial no Brasil e na luta pelas cotas, e trazem em seus projetos alunos das mais diferenciadas raças.

Àqueles que ainda insistem em perguntar, para seus padrões de cores eu sou classificado como branco e não estou legislando em causa própria, mas em função daquilo que considero justo.

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